O livro em questão, embora se apresente como um zelo pela tradição, infelizmente incorre em graves desvios metodológicos, eivado de juízos temerários e de uma hermenêutica de ruptura aplicada de maneira inversa: assim como alguns, no passado, buscaram romper com a tradição em nome do “espírito do Concílio”, o autor deste livro rompe com a legítima interpretação do desenvolvimento doutrinal, refugiando-se num “imobilismo teológico” que não condiz com a natureza viva da Tradição.
II. Sobre a acusação de erro doutrinal
O Catecismo da Igreja Católica, promulgado por São João Paulo II, de feliz memória, em 1992, é um autêntico instrumento do Magistério Ordinário, com valor normativo seguro na transmissão da doutrina da fé. Seu objetivo, como afirmou o próprio Papa na Constituição Apostólica Fidei Depositum, é “expôr fielmente e de modo sistemático o ensino da Sagrada Escritura, da Tradição viva na Igreja e do Magistério autêntico, bem como da herança espiritual dos Padres, dos santos e santas da Igreja.”Dizer, portanto, que o Catecismo pós-Vaticano II contém “erros” de doutrina, como afirma o autor, é uma acusação que resvala no risco de se colocar fora da plena comunhão com o Magistério da Igreja, que é, segundo o Concílio Vaticano I (Dei Filius, cap. 3), infalível quando ensina em matéria de fé e moral, seja de forma solene ou ordinária universal.
III. Sobre a Pena de Morte
A crítica central do livro reside na recente mudança do Catecismo sobre a pena de morte. Aqui cabe uma distinção crucial entre a imutabilidade dos princípios morais e a aplicação prudencial desses princípios às circunstâncias históricas concretas.O Magistério não ensina que a pena de morte seja intrinsecamente má, mas que, nas circunstâncias atuais, ela é inadmissível, como ensina o Catecismo (nº 2267) e confirmou o Papa Francisco na Carta "Ad resurgendum cum Christo". Isto se fundamenta na compreensão crescente da dignidade da pessoa humana, da eficácia dos sistemas penais modernos e da clareza evangélica no mandamento:
“Sede misericordiosos, como vosso Pai é misericordioso.” (Lc 6,36)
Não é a primeira vez que a Igreja reinterpreta aplicações disciplinares à luz do desenvolvimento moral. O mesmo se deu, por exemplo, com a condenação da escravidão, formalmente abolida como instituição moralmente inadmissível apenas a partir dos séculos XVIII e XIX, apesar de tolerâncias anteriores.O autor dedica capítulos à crítica da liberdade religiosa e do ecumenismo, acusando-os de relativismo. Tal postura ignora que a Declaração Dignitatis Humanae, do Concílio Vaticano II, não nega o dogma “fora da Igreja não há salvação”, mas afirma que ninguém pode ser obrigado a abraçar a fé contra sua consciência, pois a fé é um ato livre (cf. DH, nº 2). Isso ecoa a própria Revelação:
“Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele.” (Ap 3,20)
A Igreja oferece a Verdade, mas não a impõe com violência.V. Magistério Vivo e Autêntico
O Concílio Vaticano II, interpretado na continuidade da tradição, não é uma ruptura, mas sim, como definiu Bento XVI, uma “hermenêutica da reforma, da renovação na continuidade”. Negar isso é, objetivamente, cair numa visão eclesial que flerta com o cisma.“Quem vos ouve, a mim ouve; e quem vos rejeita, a mim rejeita.” (Lc 10,16)
Essa palavra de Jesus se dirige diretamente aos Apóstolos e seus sucessores. Questionar a autoridade magisterial legítima, sobretudo em seus atos universais, é colocar-se em oposição ao próprio Cristo que quis a Igreja como “coluna e sustentáculo da verdade.” (1Tm 3,15)
VI. Exortação final
Aos fiéis, recomendo prudência e discernimento na leitura de obras como esta. Embora algumas críticas possam suscitar debates teológicos legítimos, elas não podem conduzir à desobediência, ao espírito de divisão ou à suspeição sistemática contra o Magistério da Igreja.
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