DOM LUÍS HENRIQUE PRADO
POR MERCÊ DE DEUS E DA SÉ APOSTÓLICA
BISPO DIOCESANO DE CUIABÁ

CARTA ABERTA 

A polemica envolvendo o livro "Os erros do catecismo Moderno" de Michael Haynes e publicado pelo Centro Dom Bosco.
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Prot. Nº. 004/2025

"Permanecei firmes e conservai os ensinamentos que vos transmitimos, seja de viva voz, seja por carta." 
(2Ts 2,15)

Com espírito de paternidade pastoral e zelo pela fé, dirijo-me a todos vós, sacerdotes, religiosos, seminaristas e leigos, a fim de oferecer uma reflexão serena, mas firme, a respeito do livro recentemente publicado sob o título “Os Erros do Catecismo Moderno”, de autoria de Michael Haynes.

I. reflexão inicial


A Sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o Sagrado Magistério são, segundo o ensinamento do Concílio Vaticano II (Dei Verbum, nº 10), os três pilares sobre os quais se apoia a única regra da fé. Por isso, qualquer obra que proponha analisar, questionar ou mesmo criticar documentos do Magistério, sobretudo de caráter catequético, deve fazê-lo à luz destes três fundamentos, com reverência e obediência filial.
O livro em questão, embora se apresente como um zelo pela tradição, infelizmente incorre em graves desvios metodológicos, eivado de juízos temerários e de uma hermenêutica de ruptura aplicada de maneira inversa: assim como alguns, no passado, buscaram romper com a tradição em nome do “espírito do Concílio”, o autor deste livro rompe com a legítima interpretação do desenvolvimento doutrinal, refugiando-se num “imobilismo teológico” que não condiz com a natureza viva da Tradição.

II. Sobre a acusação de erro doutrinal

O Catecismo da Igreja Católica, promulgado por São João Paulo II, de feliz memória, em 1992, é um autêntico instrumento do Magistério Ordinário, com valor normativo seguro na transmissão da doutrina da fé. Seu objetivo, como afirmou o próprio Papa na Constituição Apostólica Fidei Depositum, é “expôr fielmente e de modo sistemático o ensino da Sagrada Escritura, da Tradição viva na Igreja e do Magistério autêntico, bem como da herança espiritual dos Padres, dos santos e santas da Igreja.
Dizer, portanto, que o Catecismo pós-Vaticano II contém “erros” de doutrina, como afirma o autor, é uma acusação que resvala no risco de se colocar fora da plena comunhão com o Magistério da Igreja, que é, segundo o Concílio Vaticano I (Dei Filius, cap. 3), infalível quando ensina em matéria de fé e moral, seja de forma solene ou ordinária universal.

III. Sobre a Pena de Morte

A crítica central do livro reside na recente mudança do Catecismo sobre a pena de morte. Aqui cabe uma distinção crucial entre a imutabilidade dos princípios morais e a aplicação prudencial desses princípios às circunstâncias históricas concretas.

O Magistério não ensina que a pena de morte seja intrinsecamente má, mas que, nas circunstâncias atuais, ela é inadmissível, como ensina o Catecismo (nº 2267) e confirmou o Papa Francisco na Carta "Ad resurgendum cum Christo". Isto se fundamenta na compreensão crescente da dignidade da pessoa humana, da eficácia dos sistemas penais modernos e da clareza evangélica no mandamento:

Sede misericordiosos, como vosso Pai é misericordioso.” (Lc 6,36)

Não é a primeira vez que a Igreja reinterpreta aplicações disciplinares à luz do desenvolvimento moral. O mesmo se deu, por exemplo, com a condenação da escravidão, formalmente abolida como instituição moralmente inadmissível apenas a partir dos séculos XVIII e XIX, apesar de tolerâncias anteriores.
Portanto, é errado afirmar que há contradição doutrinal. Trata-se de desenvolvimento legítimo, conforme a explicação clara de São João Newman, que afirma:
O desenvolvimento verdadeiro conserva a identidade e a substância da doutrina, ao mesmo tempo em que a faz crescer em compreensão e clareza.” (Ensaio sobre o Desenvolvimento da Doutrina Cristã)

IV. Sobre o Ecumenismo e a Liberdade Religiosa

O autor dedica capítulos à crítica da liberdade religiosa e do ecumenismo, acusando-os de relativismo. Tal postura ignora que a Declaração Dignitatis Humanae, do Concílio Vaticano II, não nega o dogma “fora da Igreja não há salvação”, mas afirma que ninguém pode ser obrigado a abraçar a fé contra sua consciência, pois a fé é um ato livre (cf. DH, nº 2). Isso ecoa a própria Revelação:

Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele.” (Ap 3,20)

A Igreja oferece a Verdade, mas não a impõe com violência.

V. Magistério Vivo e Autêntico

O Concílio Vaticano II, interpretado na continuidade da tradição, não é uma ruptura, mas sim, como definiu Bento XVI, uma “hermenêutica da reforma, da renovação na continuidade”. Negar isso é, objetivamente, cair numa visão eclesial que flerta com o cisma.
Quem vos ouve, a mim ouve; e quem vos rejeita, a mim rejeita.” (Lc 10,16)
Essa palavra de Jesus se dirige diretamente aos Apóstolos e seus sucessores. Questionar a autoridade magisterial legítima, sobretudo em seus atos universais, é colocar-se em oposição ao próprio Cristo que quis a Igreja como “coluna e sustentáculo da verdade.” (1Tm 3,15)

VI. Exortação final

Aos fiéis, recomendo prudência e discernimento na leitura de obras como esta. Embora algumas críticas possam suscitar debates teológicos legítimos, elas não podem conduzir à desobediência, ao espírito de divisão ou à suspeição sistemática contra o Magistério da Igreja.



Deponho esta reflexão sob a proteção da Virgem Santíssima, Mãe da Igreja, e sob o patrocínio de São José, guardião da unidade e fidelidade

Dado e passado em Cuiabá, nas dependências do Palácio Episcopalaos 19 (dezenove) dias de junho do Santo Ano Jubilar de 2025 (dois mil e vinte e cinco), festa de Corpus christi.

 Luís Henrique Prado
Bispo Diocesano



Referências Bibliográficas

HAYNES, Michael. Os erros do catecismo moderno. Rio de Janeiro: Centro Dom Bosco, 2025.

IGREJA CATÓLICA. Bíblia Sagrada. Tradução da CNBB. Brasília: Edições CNBB, 2018.

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IGREJA CATÓLICA. Concílio de Trento. Decreto sobre o Santíssimo Sacramento da Eucaristia. Sessão XIII, 11 de outubro de 1551.

IGREJA CATÓLICA. Concílio de Trento. Decreto sobre o Sacrifício da Missa. Sessão XXII, 17 de setembro de 1562.

IGREJA CATÓLICA. Concílio Vaticano I. Dei Filius – Constituição dogmática sobre a fé católica. 1870.

IGREJA CATÓLICA. Concílio Vaticano II. Dei Verbum – Constituição dogmática sobre a revelação divina. Vaticano, 1965.

IGREJA CATÓLICA. Concílio Vaticano II. Dignitatis Humanae – Declaração sobre a liberdade religiosa. Vaticano, 1965.

JOÃO PAULO II. Fidei Depositum – Constituição Apostólica para a promulgação do Catecismo da Igreja Católica. Vaticano, 1992.

JOÃO PAULO II. Ecclesia de Eucharistia – Encíclica sobre a Eucaristia na sua relação com a Igreja. Vaticano, 2003.

BENTO XVI. Discurso à Cúria Romana por ocasião da apresentação dos votos natalícios. 22 de dezembro de 2005. Disponível em: https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2005/december/documents/hf_ben-xvi_spe_20051222_curia-romana.html. Acesso em: 19 jun. 2025.

FRANCISCO. Carta Apostólica Ad resurgendum cum Christo sobre a sepultura dos defuntos e a conservação das cinzas. Vaticano, 2016.

FRANCISCO. Revisão do Catecismo da Igreja Católica sobre a pena de morte (n. 2267). Vaticano, 2018.

SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Tradução de Alexandre Corrêa. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2003.

NEWMAN, John Henry. Ensaio sobre o desenvolvimento da doutrina cristã. Petrópolis: Vozes, 1993.

DENZINGER, Heinrich; HÜNERMANN, Peter (org.). Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. 43. ed. São Paulo: Paulinas, 2007.