MISSIVA ABERTA 
AD COR CHARITATIS

DO RESPONSÁVEL PELA PASTORAL DA CARIDADE 
PE. KAUAN RAFFAELE ZUPPI DI MORETTI

SOBRE A CENTRALIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS COMO SÍMBOLO DO AMOR DIVINO E DA CARIDADE 

INTRODUÇÃO 

1. Na solenidade do Sagrado Coração de Jesus, somos convidados a refletir sobre a profundidade do amor divino que se manifesta em nossas vidas e na sociedade. O Coração de Jesus não é apenas um símbolo, mas uma fonte inesgotável de caridade, que nos chama a viver em comunhão e solidariedade. Como diz São João, "Deus é amor; e quem permanece no amor permanece em Deus, e Deus nele" (1 Jo 4, 16). Este amor deve ser o alicerce de nossas ações, guiando-nos na construção de um mundo mais justo e fraterno.

2. Em um momento em que a sociedade enfrenta desafios profundos, como a desigualdade social, a indiferença e a falta de empatia, somos convocados a ser instrumentos da caridade. A Pastoral da Caridade tem um papel crucial nesse processo, pois é através dela que manifestamos o amor de Cristo aos mais necessitados. Como afirmou Madre Teresa de Calcutá: "Não podemos sempre fazer grandes coisas na vida, mas podemos fazer pequenas coisas com grande amor." É essa disposição para agir com amor que nos move a transformar realidades e oferecer esperança àqueles que mais precisam.

3. A caridade não é apenas uma ação isolada; ela deve ser uma atitude constante em nossas vidas. O apóstolo Paulo nos lembra em sua carta aos Coríntios que "a caridade é paciente, é benigna; a caridade não é invejosa; não é facciosa, não se ensoberbece" (1 Cor 13, 4). Portanto, ao nos dirigirmos ao Coração de Jesus, devemos nos comprometer a cultivar essas virtudes em nosso cotidiano. A prática da caridade deve ser integrada em todas as dimensões de nossa existência: pessoal, comunitária e social.

4. Por fim, ao olharmos para o Sagrado Coração de Jesus, encontramos um modelo perfeito de entrega e sacrifício. Ele nos ensina que amar é doar-se sem reservas. Em sua encíclica "Deus Caritas Est", o Papa Bento XVI afirma que "a caridade é a forma mais alta da vida cristã". Que possamos nos inspirar nesse amor divino e nos tornar verdadeiros profetas da caridade em nosso meio. 

I. A CARIDADE COMO FUNDAMENTO DA VIDA CRISTà

5. A caridade, no cerne do cristianismo, transcende a mera filantropia; ela é o próprio fundamento da existência cristã, a essência do amor divino derramado sobre a humanidade. Não se trata de um ato isolado, mas de uma disposição permanente do ser, uma transformação interior que permeia todas as ações e relações humanas. Como afirma Santo Agostinho: "Ama e faze o que quiseres", revelando que o amor, a caridade, é o princípio ordenador de toda a moral cristã, a bússola que guia nossas escolhas e molda nosso caráter. Esta caridade não é um sentimento efêmero, mas uma virtude teologal, um dom de Deus que nos capacita a amar como Ele ama, incondicionalmente e sem reservas. A prática da caridade, portanto, não é opcional para o cristão, mas imperativo de sua fé, a prova inquestionável de sua união com Cristo.

6. A caridade cristã, diferentemente de outras formas de beneficência, não se limita à compaixão ou à simples ajuda material. Ela envolve um compromisso profundo com o próximo, reconhecendo a dignidade intrínseca de cada ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus. Esta perspectiva transformadora nos impede de ver o outro como um objeto de caridade, mas como um sujeito com quem partilhamos a mesma condição humana, a mesma busca pela felicidade e pela realização pessoal. A caridade, nesse sentido, é um ato de justiça, de restituição da dignidade roubada, uma luta contra a opressão e a injustiça que afligem a humanidade. Ela se manifesta na defesa dos direitos humanos, na promoção da justiça social e na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, como preconiza a Doutrina Social da Igreja.

7. A teologia da caridade encontra suas raízes na própria natureza de Deus, que é amor (1 João 4, 8). A Trindade, em sua comunhão perfeita, revela a essência mesma do amor: um relacionamento de mútuo amor, doação e recepção. Este amor trinitário é derramado sobre a humanidade através de Cristo, que se fez homem para nos revelar o rosto misericordioso de Deus e nos ensinar o caminho do amor. A encarnação, paixão, morte e ressurreição de Jesus são o ato supremo de caridade, a demonstração máxima do amor de Deus por nós, pecadores e indignos. Assim, a caridade cristã não é uma invenção humana, mas uma participação na própria vida de Deus, uma imitação do amor divino que nos transforma e nos capacita a amar como Ele nos amou.

8. A caridade, contudo, não é um sentimento passivo, mas um ato ativo, que exige compromisso, perseverança e renúncia. Ela nos chama a sair de nossas zonas de conforto, a enfrentar os desafios da realidade social e a nos colocar a serviço dos mais necessitados. Não podemos nos contentar com gestos superficiais ou com uma caridade apenas sentimental; a verdadeira caridade exige uma transformação radical de nossa vida, uma conversão que nos leva a viver em conformidade com os ensinamentos de Cristo. A parábola do Bom Samaritano (Lucas 10, 25-37) ilustra perfeitamente essa dimensão ativa da caridade, mostrando que o amor se manifesta na ação concreta, no cuidado e na compaixão pelo sofrimento do próximo.

9. “A caridade, como virtude teologal, é um dom gratuito de Deus, mas também requer nossa colaboração. Precisamos cultivar a caridade em nossas vidas através da oração, da reflexão, da meditação da Palavra de Deus e da prática da justiça. A caridade não é uma virtude isolada, mas está intrinsecamente ligada às outras virtudes, como a fé, a esperança, a humildade e a justiça. Somente através da integração de todas as virtudes podemos alcançar a plenitude da caridade cristã, que nos leva à união com Deus e à construção de um mundo mais humano e fraterno. O caminho da caridade é um caminho de santidade, um caminho de transformação pessoal e social que nos aproxima de Deus e do próximo.

10. Dito isso, a caridade é o fundamento da vida cristã, o princípio ordenador de todas as nossas ações e relações. Ela não é uma opção, mas uma obrigação, um chamado a vivermos em conformidade com o amor de Deus revelado em Cristo. A prática da caridade nos transforma, nos aproxima de Deus e nos capacita a construir um mundo mais justo e fraterno, um mundo onde o amor prevaleça sobre o ódio, a esperança sobre o desespero e a justiça sobre a injustiça. É nesse caminho que encontramos a verdadeira felicidade e a realização plena de nossa vocação humana e cristã.

II. A Urgência da Solidariedade Social

11. A solidariedade social emerge como uma exigência premente em um mundo cada vez mais marcado por desigualdades e injustiças. A mensagem de Cristo, manifestada através do Seu Sagrado Coração, nos convida a olhar para o próximo com compaixão e empatia. Em sua essência, a solidariedade transcende a mera assistência; ela se configura como um compromisso ativo de construir uma sociedade mais justa e fraterna. Como nos lembra o Papa Francisco, “a verdadeira solidariedade não é dar o que sobra, mas partilhar o que temos”. Este apelo à generosidade deve ressoar em nossos corações, impulsionando-nos a agir em favor daqueles que mais necessitam.

12. O Sagrado Coração de Jesus é um símbolo poderoso desse amor incondicional que deve nortear nossas ações sociais. Em suas páginas sagradas, encontramos o convite a “amar ao próximo como a si mesmo” (Mateus 22, 39), uma máxima que nos chama a refletir sobre nossa responsabilidade diante das dores e sofrimentos alheios. A urgência da solidariedade social se torna, então, um reflexo do amor divino que brota do Coração de Jesus, nos desafiando a transformar esse amor em ações concretas. O nosso compromisso com a justiça social deve ser alimentado pela oração e pela contemplação desse coração que pulsa por todos os homens e mulheres da terra.

13. A realidade social contemporânea exige de nós uma resposta imediata e eficaz. A desigualdade econômica, a exclusão social e as crises humanitárias clamam por ações solidárias que vão além do discurso. A Igreja nos ensina que “a caridade é a forma mais alta da justiça”, e é através dela que podemos promover mudanças significativas na vida dos marginalizados. O exemplo do Sagrado Coração nos mostra que cada ato de amor é uma semente plantada no terreno fértil da esperança, capaz de gerar frutos abundantes para o bem comum. Portanto, cabe a nós, como cristãos comprometidos, cultivar essa solidariedade em nossas comunidades.

14. Além disso, é fundamental reconhecer que a solidariedade não se limita apenas ao campo material; ela deve abarcar também o aspecto emocional e espiritual da vida humana. A partilha de experiências, o acolhimento do sofrimento alheio e a promoção do diálogo são formas de expressar essa solidariedade integral. O Sagrado Coração de Jesus nos convida a ser instrumentos de paz e reconciliação em meio às divisões sociais. Assim como Ele se fez próximo dos marginalizados de sua época, somos chamados a ir ao encontro dos que estão à margem da sociedade contemporânea, sempre buscando construir pontes ao invés de muros.

15. A urgência da solidariedade social não é apenas uma responsabilidade moral; é uma expressão direta do amor que brota do Sagrado Coração de Jesus. Que possamos nos deixar guiar por esse amor transformador, tornando-nos verdadeiros agentes de mudança em nossa sociedade. Ao respondermos ao chamado à solidariedade, não apenas contribuímos para aliviar as dores do mundo, mas também cumprimos nossa missão cristã de refletir o amor divino em todas as nossas ações.

III. O Coração de Jesus como Modelo de Vida

16. O Sagrado Coração de Jesus, ícone supremo do amor divino, nos convida a refletir sobre a essência da vida cristã. Através de suas ações e ensinamentos, Jesus nos apresenta um modelo que transcende o tempo e o espaço, oferecendo um caminho de santidade e compaixão. Como disse São João Paulo II: "O coração é o lugar onde se realiza a comunhão entre o ser humano e Deus". Essa comunhão é fundamental para que possamos viver em plenitude, sempre guiados pela luz do amor e da caridade. Ao contemplarmos o Coração de Jesus, somos chamados a imitar sua entrega incondicional ao próximo, especialmente aos mais necessitados.

17. Historicamente, o Coração de Jesus se torna um símbolo poderoso em momentos de crise e desigualdade. Em uma sociedade que frequentemente marginaliza os pobres e vulneráveis, somos desafiados a seguir seu exemplo. O Evangelho nos ensina que "tudo o que fizestes a um dos meus menores irmãos, a mim o fizestes" (Mateus 25, 40). Esse chamado à ação nos lembra que nossa fé deve se manifestar em obras concretas de amor e solidariedade. Assim, o olhar compassivo do Sagrado Coração nos orienta na construção de um mundo mais justo, onde todos têm dignidade e valor.

18. A caridade, portanto, não é apenas uma virtude; é um modo de vida que deve ser imitado. O Coração de Jesus nos mostra que amar é também sacrificar-se pelo bem do outro. Ele se entregou completamente por nós, ensinando-nos que o verdadeiro amor exige ação. Em sua vida pública, Jesus não hesitou em tocar os leprosos, acolher os marginalizados e oferecer esperança aos desesperados. Assim como Ele fez, somos chamados a enxergar além das aparências e a servir aqueles que estão à beira da sociedade. A caridade deve ser uma resposta viva ao amor que recebemos do Senhor.

19. Além disso, ao olharmos para o Coração de Jesus como nosso modelo, somos convidados a cultivar uma espiritualidade profunda que nos leva à transformação interior. A busca pelo autoconhecimento e pela intimidade com Deus é essencial para vivermos verdadeiramente a caridade. Como afirma Santo Agostinho: "Ama e faze o que quiseres". Essa liberdade em amar é fruto da união com Cristo e do entendimento de que nosso coração deve pulsar em sintonia com o Dele. A verdadeira vida cristã se manifesta quando permitimos que o amor divino transforme nossas vidas.

20. Portanto, ao celebrarmos o Sagrado Coração de Jesus, somos chamados não apenas a honrá-lo com palavras, mas também com ações concretas em nosso dia a dia. Que possamos ser luz na escuridão do mundo moderno, levando esperança aos desamparados e conforto aos aflitos. Que nosso compromisso com a caridade seja inspirador para aqueles ao nosso redor, refletindo assim o verdadeiro coração de Jesus em nossas vidas. Em cada gesto de amor ao próximo, reconhecemos a presença viva do Senhor entre nós, tornando-nos verdadeiros instrumentos da sua paz e compaixão no mundo.

Dado e passado em Cuiabá, nas dependências da Cúria Diocesana, aos vinte e sete dias de junho do Santo Ano Jubilar de dois mil e vinte e cinco, Solenidade do Sagrado Coração de Jesus. 

Pe. Kauan Raffaele Zuppi di MORETTI 
Pastoral da Caridade