Homilia para o dia 26/06 - Solenidade do Santíssimo coração de Jesus
Com alegria e reverência, a Igreja celebra hoje a Solenidade do Santíssimo Coração de Jesus — fonte inesgotável de amor, trono da divina misericórdia, abismo da caridade eterna. O Coração de Cristo, mais que símbolo, é a expressão viva da entrega total de Deus à humanidade. Nele, contemplamos não apenas sentimentos humanos, mas o amor divino feito carne, encarnado e pulsante por cada um de nós.
O Evangelho de hoje (Lucas 15,3-7) nos apresenta a parábola do Bom Pastor, que deixa as noventa e nove ovelhas no deserto para ir atrás de uma só que se perdeu. Aqui se manifesta a radicalidade do amor do Coração de Jesus. Ele não se conforma com a ausência de um único de seus filhos. Vai ao encontro, busca, perdoa, resgata, carrega nos ombros com alegria, e celebra com o céu inteiro a conversão do pecador. Nesse gesto, Jesus nos mostra que seu Coração não é estático nem indiferente: é um Coração em movimento, compassivo, que palpita ao ritmo das misérias humanas.
A misericórdia que brota do Coração de Cristo é a mesma que levou o Pai a enviar o Filho ao mundo, como nos ensina São Paulo: “Deus prova seu amor para conosco pelo fato de Cristo ter morrido por nós, quando ainda éramos pecadores” (Rm 5,8). E é essa mesma misericórdia que faz com que haja mais alegria no céu por um só pecador que se converte do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão.
No Concílio de Éfeso (431), a Igreja declarou solenemente que Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, é o Verbo encarnado que nos amou com um coração humano, sem deixar de ser o eterno Logos divino. Diz o concílio: “Foi o Verbo que sofreu em sua carne, e não um simples homem separado do Verbo” (DS 252). Ou seja, o Coração de Jesus é o Coração de Deus que sangra por nós, e nele se unem a divindade e a humanidade de forma inseparável.
No alto da Cruz, esse Coração foi trespassado pela lança, como nos narra São João: “Um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança, e imediatamente saiu sangue e água” (Jo 19,34). Os Padres da Igreja sempre viram aí o nascimento da Igreja e a origem dos sacramentos. São Boaventura ensina: “Do lado aberto de Cristo nasce a Igreja, como Eva nasceu do lado de Adão; e daquele Coração traspassado jorram os sacramentos da salvação.” Do Coração aberto de Jesus, brota a nova humanidade redimida, lavada no sangue do Cordeiro.
A Tradição nos recorda, como o fez o Concílio de Calcedônia (451), que “um só e mesmo é o Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, reconhecido em duas naturezas, sem confusão, sem mudança, sem divisão, sem separação” (DS 301). E é este Senhor, com seu Coração humano e divino, que nos ama com um amor que não desiste, não esfria, não se cansa.
Santo Afonso de Ligório, profundo devoto do Sagrado Coração, dizia: “O Coração de Jesus é um fogo que queima de amor por nós. Quem pode resistir a um Deus que quis ter um coração humano para sofrer conosco e por nós?” E Santa Margarida Maria Alacoque, a grande vidente do Sagrado Coração, ouviu do próprio Senhor: “Eis o Coração que tanto amou os homens… e por eles não é amado.”
Celebrar esta solenidade é, portanto, um chamado à confiança, à conversão e à reparação. É reconhecer que o Coração de Cristo continua a bater nos sacramentos, na Eucaristia, no confessionário, na Palavra, na Igreja. Mas também é um alerta: como afirma o IV Concílio de Latrão (1215), “ninguém, por mais esmolas que faça, ou mesmo que derrame seu sangue por Cristo, será salvo se não permanecer no seio da Igreja Católica” (DS 802). E o Coração de Jesus é o centro da Igreja — rejeitá-lo é rejeitar a própria salvação.
Que neste dia bendito, possamos nos unir ao louvor do céu e da terra, e dizer com Santo Agostinho: “Fizeste-nos para Ti, Senhor, e inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em Ti.” Oremos, portanto, para que nosso coração seja unido ao de Jesus, como dizia Santa Gertrudes: “Que meu coração se torne tua morada, Senhor, e que o teu Coração seja minha morada eterna.”
Santíssimo Coração de Jesus, rei e centro de todos os corações, tende piedade de nós!
BÍBLIA. Sagrada Bíblia. Tradução da CNBB. 2. ed. São Paulo: Edições CNBB, 2022.
DENZINGER, Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações da fé e dos costumes da Igreja Católica. 43. ed. São Paulo: Paulinas, 2007. (Enchiridion Symbolorum, DS 250–263; DS 301–303; DS 800–802). [Contém os documentos dos Concílios de Éfeso (431), Calcedônia (451) e Latrão IV (1215)].
AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução de J. Oliveira. São Paulo: Paulus, 2002.
BOAVENTURA, Santo. A árvore da vida. Tradução de Frei Clarêncio Neotti. Petrópolis: Vozes, 2001.
AFONSO DE LIGÓRIO, Santo. Meditações para todos os dias do ano. Trad. Pe. M. Pinto. São Paulo: Editora Vozes, 2004.
MARGARIDA MARIA ALACOQUE, Santa. Autobiografia e cartas. Trad. Pe. Henri Ghéon. São Paulo: Loyola, 1990.
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